sábado, 2 de julho de 2011

Testemunho: Caras e sorrisos para o cinema


Por Láira Kétory Calixto – acadêmica da 5ª fase de Jornalismo da UNISUL 

Era um dia frio. Lembro-me bem de que no rádio e na TV não se falava em outra coisa a não ser em que na madrugada anterior os termômetros haviam marcado e confirmado que havia sido a mais fria dos últimos tempos e por consequência o dia também. Então, minha mãe, como a maioria das mães, me disse: “Se agasalhe bem minha filha, leve o guarda-chuva, luvas, toca e cachecol”.
 
Dessa vez até dei razão para ela, pois realmente estava frio e estava com uma bronquite daquelas. Mas nada que tirasse o brilho da noite e que me fizesse desistir de ir naquele local e curtir tudo o que aquele dia podia me proporcionar. Além de tudo, tinha uma tarefa de conclusão de disciplina do Curso de Jornalismo da Unisul para cumprir.
 
Ao descer do ônibus avistei algumas figuras um pouco excêntricas que me acompanharam até a frente do Centro de Eventos da UFSC. Era tudo muito bonito. Foi impossível não parar em frente daquele gigante de concreto e não admirar suas formas coloridas. No entanto, mal sabia eu que o melhor ainda estava por vir.
 
Depois de sentir aquele cheiro hipnotizante de pipocas quentes e fresquinhas de uma figura ilustre, tomei coragem e subi a rampa. E já com o folder de exibição do FAM nas mãos fui imaginando qual filme assistir.
 
Porém, ao adentrar o hall de acesso aos auditórios do Centro de Eventos da Universidade Federal algo me chamou muito a atenção. As pessoas que se encontravam por lá, aquelas pessoas excêntricas não eram exceção por lá. Parei por um momento e pensei: “A minha calça de oncinha e meu casaco de pele passarão despercebido por aqui, e mais, já sei sobre o que falarei, qual será minha pauta para a cobertura do evento, como não pensei nisso antes? Falar de pessoas é maravilhoso”.
 
Comecei a observá-las. Colegas que falava comigo logo percebia que não lhe dava ouvido. Só tinha olhos para aquelas pessoas. O motivo do encantamento não era só pelas roupas coloridas, rasgadas, cabelos coloridos, barbas por fazer, cavanhaque e estilos psicodélicos. Seus diálogos eram interessantes, linguagem de cineastas e comportamento de quem é muito culto e ao mesmo tempo descolado. É engraçado, mas eles se comportavam como pessoas modernas. No entanto, eram altivos porque agiam influenciados pelo conhecimento e cultura que acreditavam dominar tendo como pano de fundo uma teoria pré-estabelecida.
 
Enquanto esperava sentei-me no banco e presenciei a conversa de um rapaz cujo sotaque já conferia ser do nordeste com uma moça paulista. Após breve apresentação, fizeram uma análise dos filmes que viram juntos. Eu, na minha humilde figura, segui para a exibição dos curtas daquele dia. O primeiro foi Titanes, um curta chileno que me deixou paralisada, perplexa; na verdade, confesso que não entendi muito o enredo. O segundo era Árbol, uma produção argentina que me fez dar o braço a torcer para los hermanos. Um curta simples e bonito. Em seguida foi exibido o Janela Molhada, um filme pernambucano engraçadíssimo que fez conexões com o passado, com a análise dos filmes naturais e suas ideologias e com a janela molhada. Já o último que assisti, esse me embriagou de vez. Fez-me caminhar para o centro de mim e mergulhar em uma série de incógnitas e dúvidas daquela imensidão azul. 
 
Lógico que minha análise não chegava nem aos pés daqueles que estavam atrás de mim. Enquanto os curtas eram apresentados, faziam análise de câmera, de cena, de expressão, de luz, de som e enredo. E eu? Humildemente avaliava os atores, a história e o som. “Viu aquele take?” ou “Aquela luz não favoreceu a cena”, ou ainda: “O corte foi preciso, mas acho que seria legal deixar a cena desenvolver-se um pouco mais”. Mas como na vida existe a chance de arriscar, mesmo sem um conhecimento técnico de filme exerci o de espectadora que se sentiu tocada por uma obra.
 
Após assistir Árbol a primeira coisa que me veio à cabeça foi a seguinte frase:
 
Joia rara que apresento
Nesta paisagem em que me vejo
No centro da paixão e do tormento
Sem nenhuma ilusão
Neste cenário de tristeza
Relembro momentos de real bravura
Dos que lutaram com ardor
Em nome do amor à natureza
 
Amor à Natureza- Paulinho da Viola
 
O curta me fez sentir como Paulinho, ou seja, o homem sentia frio, seus filhos e sua mulher também. No entanto, quando chegava até perto da árvore vinha um turbilhão de emoções que o fazia sentir tormento, amor e tristeza tudo em nome de um amor sem tamanho a uma árvore que tinha uma copa tão bonita que a tornava um tesouro, uma joia.
 
Cada vez que o velho homem procurava uma saída que não fosse o sacrifício da árvore, suas opções iam se esgotando, entretanto, a emoção falava mais alto e ao contrariar a razão me recordei de mais um trecho da canção Amor à Natureza:
 
Flutua no ar o desprezo
Desconsiderando a razão
Que o homem não sabe se vai encontrar
Um jeito de dar um jeito na situação
Uma semente atirada
Num solo fértil não deve morrer
É sempre uma nova esperança
Que a gente alimenta de sobreviver
 
Saí embriagada. E ao chegar ao carro pensei: “Não posso ficar só com esta noite”. Então, peguei meu guia do FAM e planejei ir até lá mais uma vez. Dois dias depois fui e escolhi ver algo que me deixa mais feliz que poesia, crianças. Foi interessante. Assistir a dois curtas, um da Paraíba chamado Coisa de Menino com Menina, que confesso foi uma lição para mim também. O outro era uma produção da minha terra querida Minas Gerais, e se chamava Musicaixa, um nome bem propício para quem acreditar viver em um mundo como uma caixa de música.
 
Como no primeiro dia, meu foco foram as pessoas, e isso não desabilita os curtas e os fórum, haja vista que as pessoas são partes integrantes do FAM. Conversei com as professoras, mas faltava algo. Não que os que elas falaram fosse mentira, mas também não eram as suas verdades, parecia algo ensaiado. Parti para o plano “B”: falei com os telespectadores e o que eles disseram foi simples, porém aliado ao brilho nos olhos e o sorriso em seus lábios já me mostraram o que o festival significou para cada um daqueles picorruchos.
 
Esses dois dias são parte da semana denominada 15ª semana Florianópolis Audiovisual Mercosul, que iniciou no dia 24 de junho e encerrou no dia 1º de julho, no Centro de Cultura e Eventos da UFSC, com mostra de curtas e fóruns sobre Televisão e Cinema. Participar desses dois dias do FAM foi como mergulhar de cabeça em um mundo de caras e sorrisos.

Os acadêmicos da 5ª fase do curso de Jornalismo da Unisul - disciplina Produção em Impressos - sob a supervisão da professora Raquel Wandelli, estão fazendo a cobertura do FAM como atividade curricular do semestre. 

INCENTIVO À CULTURA

Por Madalena Giostri, estudante de Jornalismo da Unisul

O Florianópolis Audiovisual Mercosul atraiu outra vez os admiradores do cinema à Capital na última semana de junho, quando comemorou 15 anos de história. Em 1997, a Panvision deu vida ao FAM com o objetivo de promover a descentralização e democratização da oferta de bens culturais à população. A gratuidade de todas as sessões tem o objetivo de promover a formação de público e o fortalecimento da cidadania cultural.
O FAM consolidou seu lugar no âmbito regional do cinema experimental. Incentivando novas produções ele engloba tanto os envolvidos na arte do fazer cinema quanto os que visitam o festival para apreciar filmes nada comerciais. Durante a semana,  25 mil pessoas passam pelas salas de cinema da UFSC. Durante a manhã foram ofertadas oficinas para o público, e na parte da tarde mostras infantojuvenis atraíram crianças de praticamente todas as escolas da região. À noite o público apreciou a exibição de curtas e longas selecionados.

A Panvison é uma Associação Cultural criada com a proposta de desenvolver uma série de atividades culturais na área do audiovisual. Através de leis de incentivo à cultura, a associação capta recursos junto a empresas apoiadoras do seu projeto. Para a realização do evento, uma equipe é formada desde o mês de agosto do ano anterior. São mais de 80 pessoas trabalhando juntas para que o resultado seja o melhor possível. "É muito bacana ver as coisas acontecerem. O mais legal da produção é ver uma idéia surgir, moldá-la e fazê-la acontecer. O resultado do trabalho acaba sendo concreto com o retorno do público", diz Flávia, produtora executiva do projeto.

Em sua 15ª edição, o FAM mostrou por que é o festival mais importante de cinema da região. Durante a semana foram montadas oficinas, exibições audiovisuais e fóruns como lugar de discussão sobre as políticas públicas, debates sobre cultura e estética na produção audiovisual, trocas de experiências entre autoridades ligadas ao setor e realizadores, integração e intercâmbio de idéias e projetos cinematográficos.
Pedro MC, um dos produtores do FAM, expõe sua opinião sobre a nova era do cinema digital: "Quanto mais tivermos acessibilidade, melhor. No Brasil, a TV a cabo é uma das mais caras do mundo. A televisão aberta é monolítica, não tem espaço para experimentação. O digital tem essa flexibilidade, mas não temos uma janela de edição e não há como escoar o que fazemos apesar da produção boa. A questão não é técnica, não é filmar em película digital, a questão é onde exibir e criar um sistema fechado de exibição."

Na sexta, primeiro de julho, encerrou-se o Florianópolis Audiovisual Mercosul. A premiação mobilizou dois júris: o popular e o oficial. O popular, como já diz, é a avaliação do público na categoria de melhores curtas e longas exibidos durante a semana, enquanto o júri oficial é integrado por convidados que trabalham na área do cinema e dão o parecer técnico na hora de avaliar o vencedor.

O FAM possibilita que seus apoiadores e associados divulguem seus trabalhos paralelos durante a semana de mostras. "Todos os anos a Cinemateca ganha seu espaço no festival para divulgar as produções catarinenses e fazer propaganda de seus dois espaços, um situado no centro de Florianópolis e o outro na Lagoa da Conceição", explica Gabriela Bresola, secretária executiva da Cinemateca.

Outro estande que ganhou espaço durante o festival foi o da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina). Desde 1999, o curso de cinema da Unisul mantém um projeto pedagógico sólido que incentiva a participação de seus alunos com as produções desenvolvidas a título de conclusão e de disciplinas e do curso em festivais como o FAM. Alguns trabalhos já foram exibidos em festivais internacionais e outros têm como seu primeiro festival o FAM. "O curso de cinema está muito presente no principal festival de cinema que acontece na nossa cidade nos bastidores e no palco", relata Marcelo Esteves, coordenador do curso de cinema da UNISUL.

As inscrições para o próximo FAM abrem em janeiro de 2012. Quem tiver uma produção que atende ao regulamento do festival pode ter seu filme exibido e quem sabe ser até o vencedor. O público que participa do FAM quer ver acontecer. Filmes que não passam em circuito comercial ganham seu espaço em festivais como esse que incentiva novas produções e novas linguagens na arte de fazer cinema. 

Os acadêmicos da 5ª fase do curso de Jornalismo da Unisul - disciplina Produção em Impressos - sob a supervisão da professora Raquel Wandelli, estão fazendo a cobertura do FAM como atividade curricular do semestre.

Dupla Catarinense de A antropóloga lança Curta do FAM 2011

Texto poético de Renato Tapado se transforma em inspiração para a produção de Filme 

Por Kelli Pierini - acadêmica de Jornalismo na Unisul

O texto Mulher Azul de Renato Tapado foi adaptado e se transformou em um curta-metragem de Maria Emília e Zeca Pires, a mesma dupla responsável pela produção do longa-metragem A Antropóloga, lançado este ano nos cinemas. Mulher Azul foi estreado no Festival Audiovisual Mercosul FAM, que neste ano completa a sua 15ª edição.

O FAM foi criado para discutir as políticas para o desenvolvimento do setor cinematográfico nos países que constituem o Bloco do Mercosul. Diante da difusão cultural das diversas cinematografias do Brasil, o festival se consagrou como um dos mais importantes acontecimentos audiovisuais do sul do país. “Esse evento maravilhoso é uma grande oportunidade que reúne uma diversidade de público, uma diversidade de linguagens de estéticas e ainda é gratuito, diz a cineasta Maria Emília, que estreia o segundo filme no FAM (o primeiro foi Um tiro na água, em 2005).

O festival tem sido uma grande porta na descentralização, democratização e difusão de cultura, principalmente pelo espaço que tem proporcionado as obras cinematográficas catarinenses, é o que explica o roteirista Marcelo Esteves. “É importante ter um espaço que preserva e garante que a produção vai chegar lá. Quando colocamos os nossos filmes junto com outros filmes o espaço para exibição dos nossos são menores. A concorrência é muito maior.”

O FAM é um espaço para a quebra de barreiras mercadológicas, ressalta Maria Emília. “O problema do cinema nacional e o catarinense é a questão da distribuição e exibição. Nós produtores e realizadores ficamos reféns dessa distribuição, sem saber se o público vai gostar ou não por que eles não assistem e isso já nos impede de ter esse contexto. Por isso o FAM nos proporciona um outro espaço mais direto com o público.

O curta Mulher Azul é uma adaptação de um diário feminino, roteirizado pelo cineasta e professor Marcelo Esteves, segundo quem a principal dificuldade na adaptação da narrativa não foi o texto ser completamente feminino, mas sim as situações estáticas que é a característica do relato diário. “A questão de ser feminino não foi o problema, problema é adaptar um diário que não tem ações. Na verdade, um diário é constituído de impressões da personagem e é desafiante ter que inventar todas aquelas ações para sustentar o texto dele que é onde está o lirismo. Um pouco trabalhoso, mas interessante”.

Para o poeta, o gênero do trabalho dele se aproximou ao de Maria Emília, portanto, essa foi a peça chave para que a obra ficasse em completa harmonia “Ela faz um filme fora do convencional, no caso do Mulher Azul, é uma obra mais poética. O próprio tipo de cinema que Maria Emília faz se aproxima do tipo de texto que eu faço. O que combinou muito, além da beleza do filme, foi uma equipe feliz e bem entrosada. Gostei muito do filme”, afirma.

A narrativa começa quando M. se isola em uma casa à beira da água, deixando para trás a cidade grande com seus movimentos e sobressaltos, tentando parar o tempo de sua própria narrativa. Isolada, ela espera se aproximar das respostas que tanto procura. Não demora muito para que perceba que essa porção de tempo retirada do fluxo das horas apresenta suas próprias pulsões e movimentos internos.

Por trás do lirismo de “Mulher Azul” repousa a intenção de abordar a poética do tempo. O filme foi produzido na França, na cidade de Provence. “A frança me escolheu. Foi interessante que nós filmamos em quatro pessoas só, a equipe foi uma equipe de documentário”, alegra-se a diretora.


Entrevista:

com Maria Emilia diretora do Curta Mulher Azul

Fato & Versão: Sabemos que a sua inspiração para produzir o curta foi o Texto de Renato Tapado, mas o que te encantou no texto dele?

Maria Emília: A profundidade na essência feminina, isso me encantou e me chamou muito atenção, afinal de contas, é um homem escrevendo, mas separando essa questão do gênero. Exatamente essa profundidade em que a gente, como mulher, vai entrando. Sempre tem alguma coisa que mexe muito com a gente.

Fato & Versão: E por que escolheu a França?

Maria Emília: A frança me escolheu. Originalmente a narrativa indicava Brasil e Buenos Aires para cenas em câmera subjetiva dos cafés à noite. Esse tratamento era mais um retorno da personagem M. que, morava na Argentina e retornava ao Brasil para se isolar e questionar seu momento de vida. Com a possibilidade de rodar na Provence, a narrativa foi alterada.

Fato & Versão: Como ficou a questão de recursos financeiros para a produção do Curta?

Maria Emília: foi interessante que nós filmamos em quatro pessoas só, uma equipe de documentário. A produção foi pequena e estávamos em uma equipe masculina.

Fato & Versão: E Por que lançar no FAM?

Maria Emília: Por que o FAM é esse evento maravilhoso que vocês estão vendo, que reúne uma diversidade de público e é de graça e tá tudo aqui, entende? Então é uma grande oportunidade. Já é o segundo filme que eu estreio no FAM. O primeiro foi Um tiro na água, em 2005.

Fato & Versão: E o Filme A antropóloga?

Maria Emília: O A antropóloga foi a minha primeira produção executiva. Foi uma estréia muito gratificante que permaneceu semanas em cartaz no Iguatemi. Foi a primeira vez que um filme nosso aqui entra em cartaz e gerou um fato histórico. A narrativa resgata uma cultura antropologicamente, não fica na superfície. O Zeca com muita propriedade e com muito talento resgata Franklin Cascaes, incluindo-o na trama sem torná-lo uma coisa alegórica. Ele resgata o mito do Franklin configurado dentro de uma narrativa de uma essência em que nada aparece gratuitamente.

Fato & Versão: E qual é o cenário catarinense para as obras cinematográficas?

Maria Emília: O problema do cinema nacional e catarinense é a questão da distribuição e exibição e nós produtores e realizadores ficamos refém dessa distribuição. A gente não sabe se o público vai gostar ou não por que eles não assistem e isso já nos impede de ter esse contexto. Por isso que o FAM é muito importante, exatamente para quebrar essa barreira mercadológica.

Os acadêmicos da 5ª fase do curso de Jornalismo da Unisul - disciplina Produção em Impressos - sob a supervisão da professora Raquel Wandelli, estão fazendo a cobertura do FAM como atividade curricular do semestre.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Cinema em Verde e Preto

Por Ana Maria Ghizzo - acadêmica de Jornalismo na Unisul

Quarta-feira, 29 de junho, uma das movimentadas noites do 15º Florianópolis Audiovisual Mercosul. Avistei-o de costas, ao longe. À primeira vista tudo o que pude ver foi seu paletó preto. O preto, na psicologia das cores, transmite introspecção, e por um tempo permaneci assim: introspectiva – rabiscando no papel pedacinhos do que conhecia dele só de ouvir falar.

Carlos Cavalcanti nasceu em Maceió. Aos 15 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde cursou a Escola Nacional de Belas Artes e começou a trabalhar com cinema. Sua estreia foi em 1963, estagiando na assistência de direção do longa-metragem O filho da rua, de Mauro Monteiro. Trabalhou como assistente de direção em mais de 25 longas-metragens, e a partir do início dos anos 80, dedicou-se inteiramente à produção. Na entrada do segundo milênio, mudou-se para Florianópolis.

O momento de romper o preto e partir para a entrevista sempre é difícil para mim. E até agora não sei ao certo se quem rompeu o silêncio fui eu, César, ou o cachecol verde que ele trazia no pescoço. O verde tem a fama de ser uma das cores mais harmoniosas e calmantes, representando natureza, perseverança, desenvolvimento e boa sorte. O verde tomou conta de tudo o que ele me contou a partir daí:

"A minha trajetória é muito longa, estou no cinema desde 1963, são quase cinquenta anos, quase meio século trabalhando no cinema. A princípio, quando se entra no cinema, não tinha escola nenhuma, a gente era meio autodidata mesmo, a gente fazia um pouco de tudo justamente para aprender. Depois de certo tempo comecei a me especializar um pouco mais na área de direção. Fui por muito tempo da área de direção, continuidade, assistente de direção. Em 1981 fui para Moçambique para trabalhar formando quadros de Moçambique. Moçambique tinha seis anos de independência de Portugal, então estava tudo quebrado, porque o que os portugueses não conseguiram levar quebraram, e deixaram lá à mingua. Fui um dos convidados para ir ajudar na área do cinema. No Instituto do Cinema tinham equipamentos doados pela Alemanha Oriental: negativos, tinha tudo, até laboratório e telejornal. Então trabalhei lá por um tempo, e quando voltei eu parei e pensei: “Eu não quero mais saber dessa coisa de direção, quero saber de produção”.

Comecei uma nova fase fazendo produção. Fiquei muito tempo como assistente de produção, diretor de produção, produtor executivo. Fiz muitos trabalhos para outros, fiz poucos curtas e poucos filmes meus, de autoria. E quando vim para cá, fui ver o filme do Sylvio Back, que me convidou para fazer o Cruz e Sousa, e aqui conheci muita gente. Inclusive, tinha uma pessoa filmando aqui e quando fui assistir a filmagem na Praça XV, um filme de época que era o Novembrada, e eu vi aquele aparato: câmeras, stand-cam, auto refletores, gruas – e pensei: “Meu Deus! É aqui! Não sabia que aqui tinha uma cinematografia tão avançada. É aqui que eu quero ficar mesmo. Eu vou trabalhar é aqui. Aqui, é o lugar onde quero morar!” – Acabou o filme e vim morar aqui, e cadê os filmões que havia? Era um engano! Total engano. (risadas) Então comecei a desenvolver projetos pequenos, para a gente fazer, eu e a Janete. A Janete faz roteiro também.

E aqui estou fazendo nossos trabalhinhos, atualmente não estou fazendo um filme, mas desenvolvendo um projeto que está na fase de captação. Com uma Produtora de São Paulo que gostou do projeto e vai enquadrá-lo na Ancine, na Lei do Audiovisual. É um longa-metragem de ficção baseado na história de uma catarinense que foi presa política e exilada. Ela é viva hoje, e tinha escrito um livro autobiográfico chamado No Corpo e na Alma. Então fizemos essa adaptação, eu e a Janete. Dei meus pitacos, naturalmente. Mostrei pra uma grande produtora de São Paulo que adorou e vai produzir, e eu vou só dirigir. Então estamos nesse momento, nessa fase que é a pior para uma produção. A primeira que é a de captação. Captar é terrível, é horrível, você não consegue recursos, ninguém quer botar dinheiro, e olha que tem a Lei de Incentivo, uma Lei que permite que as empresas, em vez de pagar o imposto para o governo, repassem esse valor para um projeto que elas apoiem. Mesmo assim é complicado. Então, essa é a primeira fase, e já de cara é dificílima, e a última que é a tal distribuição. Botar os nossos filmes no circuito comercial e nas telas, esse é o pior e sempre foi horrível isso.

Bom, contei apenas uma história e o paralelo é que continuo aqui, acho que nunca mais vou pra outro lugar morar, como já morei em tanto lugar, vou ficar aqui mesmo, e tentando ainda fazer cinema aqui. Logicamente isso passa pelas políticas também, que é uma coisa que me fascina muito, me encanta essa coisa de fazer as políticas, de mexer e se organizar, organizar as pessoas, reivindicar e promover. Estamos agora tentando organizar essa área do longa-metragem. Já tem uma quantidade boa de pessoas que fazem longas aqui. Não os curtas, né, porque os curtas saem pelo edital da Cinemateca, e os curtas deixem os novos que estão entrando fazerem os curtinhas deles. É uma fase boa, uma fase de desenvolvimento, de treino. E agora que já estamos um pouquinho mais velhos, a gente vai fazer os nossos longas, e para isso a gente tem que se organizar. Tem que se criar uma espécie de uma associação, pra gente se organizar e conseguir melhores dias de políticas públicas pro audiovisual de longa-metragem. Então essa é a minha vida, e hoje estou dando um pouco da minha experiência, para a gente se organizar e seguir em frente para continuar fazendo longas e não morrer isso aqui. Apesar de toda a adversidade, de tudo o que vem contra, é muito difícil enfrentar essa maré, principalmente se estivermos desunidos, separados.

Muitas coproduções já foram feitas a partir do FAM, com a Argentina, com o Uruguai. Os resultados já estão provados. Nessa edição do FAM, mesmo, tem duas coproduções, uma do Brasil com a Argentina e outra do Brasil com o Uruguai. Quer dizer que os frutos são muito bons. O FAM está permitindo esse encontro e conhecimento dos outros, inclusive companheiros de outros países, interligando, se ajudando, e o caminho é esse mesmo. Se não for assim, a gente vai só ficar esperando que o governo faça? A gente está hoje vendo uma coisa chamada Globalização, que é uma coisa perversa, está ai a economia para provar; dá um rombo lá não sei onde e a gente sofre as consequências aqui. Então, como é que a gente sobrevive diante disso tudo? Não só na questão cultural, do audiovisual em particular, mas de uma maneira geral, na vida do País, como é que a gente sobrevive sem ser assim? Com a direita que a gente sabe que é horrível, que só quer dar pra trás, que só critica, que só bombardeia. Uma mídia que está ao lado de uma minoria, da elite, do capital. No caso do cinema, nós, os chamados independentes, somos a maioria. Não é o cara que faz um filme em cinco anos. Fazer um filme grande demora anos, e ele pega aquela verba monstruosa e só faz um filme. Ele tirou verba que poderia ser dividida em vários, que poderia estar desenvolvendo e fazendo mais. Porque a partir da quantidade é que se chega a uma qualidade".

Uma conversa e muitas histórias naquela noite de FAM. Aliás, o grande barato do FAM é esse, encontrar e conhecer gente, trocar ideias, bater papo... Por que todo preto que está por ai sempre pode vir acompanhado de um tom de verde, basta a gente querer colorir.


Os acadêmicos da 5ª fase do curso de Jornalismo da Unisul - disciplina Produção em Impressos - sob a supervisão da professora Raquel Wandelli, estão fazendo a cobertura do FAM como atividade curricular do semestre.

A lição da natureza

Através de narrativa simples e muda, diretor dá recado silencioso sobre uma vida sustentável

Por Kelli Pierini - acadêmica de Jornalismo na Unisul


Árbol é um curta latino americano produzido por Juan Zoppi, o filme retrata a relação do homem com a natureza. O curta é marcado pela ausência da linguagem verbal. A narrativa se passa em Córdoba, um deserto que só tem uma árvore. Traz uma família tradicional, composta por pai, mãe e dois filhos, uma menina e um menino que moram em um casebre situado em um local frio demais.

O pai da família vive um dilema ao ver seus filhos com frio e a lenha que aquece o lar terminando. Nesse momento pega o machado vai até a única árvore que há e se prepara para cortá-la. Porém, olha a sua volta e vê que nada há além de terra desertificada. Desiste de cortar a árvore e volta para casa sem lenha. Ao chegar depara-se com a mesa de madeira e a transforma em lenha para aquecer a morada.

Essa cena se repete com outros móveis da casa. Quando não há mais o que cortar e vê o seu filho doente na cama, percebe que não há outra alternativa: a árvore é a única forma de manter a casa aquecida e de cozinhar também. Vai até a árvore e a corta, mas percebe que ao lodo do tronco há uma muda nascendo, então ele a cultiva.

È uma critica de Zoppi à destruição da natureza e uma advertência de que dependemos dela para a sobrevivência. No final, a narrativa mostra que é possível viver e se desenvolver de maneira sustentável.

Os acadêmicos da 5ª fase do curso de Jornalismo da Unisul - disciplina Produção em Impressos - sob a supervisão da professora Raquel Wandelli, estão fazendo a cobertura do FAM como atividade curricular do semestre.

"O Sertão está em toda parte e dentro da gente"

Por Juliane Barcellos Teixeira - acadêmica de Jornalismo na Unisul

Pessoas de diferentes estilos, raças, opção sexual e uma paixão: cinema. Os pés que levam tênis surrados e pretos guardam uma única expectativa, a de conhecer pela primeira vez o Florianópolis Audiovisual Mercosul, Fam. O evento que traz mostra de filmes, curtas e longa metragens, estandes de universidades e empresas de produção cinematográfica, une pessoas de diversas cidades e até mesmo países.
Em Florianópolis, 28 de Junho de 2011, o acadêmico de Engenharia Ambiental, Luiz Guilherme Lopes, foi prestigiar a mostra de curtas-metragens exibida na Universidade Federal de Santa Catarina. Ao passar pelas portas de entrada deparou-se com uma multidão que aguardava pela mesma mostra que ele. “Eu sempre achei que o cinema catarinense não tivesse um público muito grande, mas estou impressionado”, afirma Luiz.

Um desafio era proposto a quem fosse assistir aos curtas, votar nos dois melhores filmes, que foram exibidos no dia 29 de Junho, no Auditório da Reitoria da UFSC. Dois filmes argentinos, Titanes e Árbol competem com um de Recife, Janela Molhada e outro catarinense A mulher azul.

O estudante de Engenharia Ambiental não acreditava que tantos filmes bons poderiam fazer parte de uma única mostra. Porém, não pôde deixar de comentar sobre o filme Árbol. “É muito importante a essa altura do campeonato lutarmos contra a destruição ambiental. Estou impressionado com a forma poética que a mensagem foi passada no curta-metragem”, conta Lopes.

O filme conta a história de um pai de família que precisa de lenha para aquecer sua casa. Morando em um casebre em condições precárias, o pai zela pela única árvore no meio da seca. Destrói mesa e cama para aquecer a brasa, mas não corta a árvore. Fazendo uma alusão ao livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, pode-se dizer que o dentro do sertão há um mundo que somente ele conhece, e esse mundo é a árvore. "No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo", diz a epígrafe de Guimarães Rosa.

Não se imaginava até a última cena qual seria o desfecho do filme, e no fim só ouvimos “que lindo”, “adorei”, e muitas palmas e gritos para o diretor argentino Lucas Adrian Schiaroli . O curta foi filmado em Carlos Paz, cidade vizinha de Córdoba. Uma frase, também do livro de Guimarães Rosa, traduz a mensagem passada pelo curta metragem: “O sertão está em toda parte, o sertão está dentro da gente”.
Os mesmos tênis surrados que andavam pelo hall de entrada do FAM esperando abrir as portas do auditório Garapuvu para assistir a mostra de curtas-metragens, agora pisam em direção da porta de saída, com sensação de dever cumprido. “Vim conhecer o evento e não achei que pudesse encontrar um filme que fosse voltado para a minha área. Quero mostrar para colegas, pois deveria ser divulgado nas escolas”, diz Luiz Guilherme.

O filme não possui falas e com apenas 10 minutos de duração prendeu o fôlego de Juliana Fragoso, estudante de Publicidade e Propaganda. "Fiquei maravilhada! O diretor, Lucas Adrian Schiaroli , mostrou coisas além das que eu não esperava ver aqui hoje. Seu curta-metragem poderia tornar-se um viral se fosse postado na internet. Vale muito a pena assistir", afirma a estudante.

"Trazer este tema ao FAM mostra o interesse pela preservação. Estou muito feliz de ter participado e ter conhecido o trabalho do diretor. Quero pesquisar e conhecer ainda mais sobre ele", elogia Juliana. A Argentina, país de locação do filme, possui uma imensa área hidrográfica e grande parte de sua vegetação é tropical. Assim como no Brasil, e em grandes partes do mundo, a destruição ambiental tem crescido em um ritmo acelerado. Daí a importância a consciência da preservação do meio ambiente. Como diria Guimarães Rosa: “A colheita é comum, mas o capinar é sozinho!.

A semente foi jogada no ar, ou melhor, na tela. Juan Zoppi, conseguiu transmitir à platéia a idéia de seu curta-metragem, que mostra a relação entre homem e natureza. Um filme sem idiomas e sem fronteiras, Juan acertou na escolha. “Árbol” foi escolhido juntamente com “Janela Molhada” como os melhores filmes da noite.

Até o final da 15ª edição, 1º de Julho de 2011, terão passado pelo Centro de Eventos da UFSC, grandes talentos e muitos admiradores desses trabalhos. Essa semana ainda conta com sessão de autógrafos, lançamento de games, oficinas, exposição e apresentação de bandas da região.


Os acadêmicos da 5ª fase do curso de Jornalismo da Unisul - disciplina Produção em Impressos - sob a supervisão da professora Raquel Wandelli, estão fazendo a cobertura do FAM como atividade curricular do semestre.

A hora e a vez do cinema digital

Por Luana Maciel Costa - acadêmica de Jornalismo na Unisul

A tecnologia digital vem ganhando forças a cada ano no mercado doméstico. Hoje é comum ver nas residências um televisor digital, uma câmera digital, até mesmo filmadoras handcam digitais entre outros tantos eletrônicos.

E se tratando de cinema? Hoje, ainda é comum a produção de filmes em película, principalmente no Brasil. Mas o cinema digital já está sendo discutido entre os maiores produtores cinematográficos do mundo. Essa nova maneira de produzir e exibir filmes vem sendo adotada a cada dia nos cinemas do mundo inteiro, e nos próximos anos poderá abolir o modo tradicional analógico.

George Lucas foi o primeiro cineasta a utilizar esse tipo de produção com o filme “Star Wars – Episódio II: O Ataque dos Clones”, em 2002 que foi inteiramente produzido em vídeo digital.

Uma grande vantagem na produção digital é a possibilidade de armazenar e transmitir uma quantidade grande de imagens da mesma forma em que foi gravada, diferente da tecnologia analógica, que perde informação durante a transmissão e pode perder qualidade com o tempo. Produzir cinema digital é muito mais barato e muito menos complicado do que a película. Na edição digital, depois de gravar as cenas, o cineasta pode ir direto para a ilha digital editar o seu filme. Com a película, os cineastas convertem o material em filme para o formato digital e depois convertem novamente para filme, para então serem exibidos. Esse processo é caro e a qualidade de imagem fica um pouco inferior, sem contar que é necessário processar o material bruto antes mesmo de ver as imagens. O diretor pode perder um dia inteiro de filmagem para depois descobrir erros de captação.

Em entrevista para Americam Film Institute(AFI), George Lucas afirma que foi partindo deste aspecto, a facilidade de produção, que optou por seguir a forma digital. Ele afirma que com o digital conseguiu salvar bastante dinheiro, com isto, pode produzir outros filmes logo depois. E disse que na hora da projeção, o aspecto mais inovador do cinema digital é a qualidade da imagem. A primeira vez em que assiste é igual a todas as outras vezes. Já na película, com um certo tempo, a qualidade pode diminuir a cada vez que o filme for exibido, podendo sofrer arranhões e sujeira na imagem.

No Festival de Audiovisual MERCOSUL (FAM 2011), o consultor Dolby em aplicações de cinema e responsável pela finalização de mais de 400 filmes, Carlos Klachqui ministrou palestra sobre essa temática. Segundo Klachqui a grande diferença entre o cinema analógico e o digital é a base de distribuição do filme.

Os filmes digitais podem ser gravados em um DVD e enviados pela internet de banda larga ou via satélite, sem custo nenhum. Hoje, as produtoras ainda gastam muito dinheiro para produzir cópias e gastam muito mais enviando rolos de filmes para os cinemas. Com o digital, as produtoras podem facilmente fazer estreias de filmes em salas do mundo inteiro em um mesmo dia. “Ainda no Brasil o satélite está engatinhando, mas nos Estados Unidos eles utilizam as duas formas para distribuir os filmes nas salas de cinema. Acredito que nos próximos dois anos, todas as salas vão ser convertidas para o sistema digital. Haverá um apagão analógico. No Brasil temos por volta de 2.300 salas de cinema, e em torno de 300 salas com cinema digital DCI. Nos EUA, temos por volta de 35 mil salas, dos quais em torno de 15 mil salas já estão convertidas com este padrão digital”, conta o especialista. Carlos Klachqui explicou todo o procedimento sobre a distribuição dessa nova tecnologia que em sua opinião já é uma realidade econômica. “Segundo estimativas 2 mil salas por mês estão sendo convertidas em todo o planeta. No mundo nós temos hoje cerca de 120 mil salas de cinema”, completa.

O sistema digital DCI (Digital Cinema Initiative) é um padrão inventado pelos estúdios de Hollywood para manter a qualidade de distribuição de seus conteúdos em forma digital. Segundo Klachqui, essa qualidade é igual ou superior a película.

Está claro que, assim como os eletrônicos domésticos, o cinema digital pode ser o inimigo ou o melhor amigo, de acordo com as convicções ideológicas de cada pessoa. Mas uma coisa é certa, a sua existência não pode mais ser negada. A era digital veio para ficar e avança a cada ano com a tecnologia. É claro que esse sistema não irá ocorrer de uma hora para a outra, o cinema velho ainda percorrerá por algum tempo no mundo, mas depois que fixada, o tradicional modo analógico, a película, vai mudar de endereço para os museus eletrônicos antigos, ou quem sabe para as casas de colecionadores e amantes de velharias.

"Acredito que nos próximos dois anos, todas as salas vão ser convertidas para o sistema digital. Haverá um apagão analógico”, Carlos Klachqui.


Os acadêmicos da 5ª fase do curso de Jornalismo da Unisul - disciplina Produção em Impressos - sob a supervisão da professora Raquel Wandelli, estão fazendo a cobertura do FAM como atividade curricular do semestre.