sexta-feira, 1 de julho de 2011

Cinema em Verde e Preto

Por Ana Maria Ghizzo - acadêmica de Jornalismo na Unisul

Quarta-feira, 29 de junho, uma das movimentadas noites do 15º Florianópolis Audiovisual Mercosul. Avistei-o de costas, ao longe. À primeira vista tudo o que pude ver foi seu paletó preto. O preto, na psicologia das cores, transmite introspecção, e por um tempo permaneci assim: introspectiva – rabiscando no papel pedacinhos do que conhecia dele só de ouvir falar.

Carlos Cavalcanti nasceu em Maceió. Aos 15 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde cursou a Escola Nacional de Belas Artes e começou a trabalhar com cinema. Sua estreia foi em 1963, estagiando na assistência de direção do longa-metragem O filho da rua, de Mauro Monteiro. Trabalhou como assistente de direção em mais de 25 longas-metragens, e a partir do início dos anos 80, dedicou-se inteiramente à produção. Na entrada do segundo milênio, mudou-se para Florianópolis.

O momento de romper o preto e partir para a entrevista sempre é difícil para mim. E até agora não sei ao certo se quem rompeu o silêncio fui eu, César, ou o cachecol verde que ele trazia no pescoço. O verde tem a fama de ser uma das cores mais harmoniosas e calmantes, representando natureza, perseverança, desenvolvimento e boa sorte. O verde tomou conta de tudo o que ele me contou a partir daí:

"A minha trajetória é muito longa, estou no cinema desde 1963, são quase cinquenta anos, quase meio século trabalhando no cinema. A princípio, quando se entra no cinema, não tinha escola nenhuma, a gente era meio autodidata mesmo, a gente fazia um pouco de tudo justamente para aprender. Depois de certo tempo comecei a me especializar um pouco mais na área de direção. Fui por muito tempo da área de direção, continuidade, assistente de direção. Em 1981 fui para Moçambique para trabalhar formando quadros de Moçambique. Moçambique tinha seis anos de independência de Portugal, então estava tudo quebrado, porque o que os portugueses não conseguiram levar quebraram, e deixaram lá à mingua. Fui um dos convidados para ir ajudar na área do cinema. No Instituto do Cinema tinham equipamentos doados pela Alemanha Oriental: negativos, tinha tudo, até laboratório e telejornal. Então trabalhei lá por um tempo, e quando voltei eu parei e pensei: “Eu não quero mais saber dessa coisa de direção, quero saber de produção”.

Comecei uma nova fase fazendo produção. Fiquei muito tempo como assistente de produção, diretor de produção, produtor executivo. Fiz muitos trabalhos para outros, fiz poucos curtas e poucos filmes meus, de autoria. E quando vim para cá, fui ver o filme do Sylvio Back, que me convidou para fazer o Cruz e Sousa, e aqui conheci muita gente. Inclusive, tinha uma pessoa filmando aqui e quando fui assistir a filmagem na Praça XV, um filme de época que era o Novembrada, e eu vi aquele aparato: câmeras, stand-cam, auto refletores, gruas – e pensei: “Meu Deus! É aqui! Não sabia que aqui tinha uma cinematografia tão avançada. É aqui que eu quero ficar mesmo. Eu vou trabalhar é aqui. Aqui, é o lugar onde quero morar!” – Acabou o filme e vim morar aqui, e cadê os filmões que havia? Era um engano! Total engano. (risadas) Então comecei a desenvolver projetos pequenos, para a gente fazer, eu e a Janete. A Janete faz roteiro também.

E aqui estou fazendo nossos trabalhinhos, atualmente não estou fazendo um filme, mas desenvolvendo um projeto que está na fase de captação. Com uma Produtora de São Paulo que gostou do projeto e vai enquadrá-lo na Ancine, na Lei do Audiovisual. É um longa-metragem de ficção baseado na história de uma catarinense que foi presa política e exilada. Ela é viva hoje, e tinha escrito um livro autobiográfico chamado No Corpo e na Alma. Então fizemos essa adaptação, eu e a Janete. Dei meus pitacos, naturalmente. Mostrei pra uma grande produtora de São Paulo que adorou e vai produzir, e eu vou só dirigir. Então estamos nesse momento, nessa fase que é a pior para uma produção. A primeira que é a de captação. Captar é terrível, é horrível, você não consegue recursos, ninguém quer botar dinheiro, e olha que tem a Lei de Incentivo, uma Lei que permite que as empresas, em vez de pagar o imposto para o governo, repassem esse valor para um projeto que elas apoiem. Mesmo assim é complicado. Então, essa é a primeira fase, e já de cara é dificílima, e a última que é a tal distribuição. Botar os nossos filmes no circuito comercial e nas telas, esse é o pior e sempre foi horrível isso.

Bom, contei apenas uma história e o paralelo é que continuo aqui, acho que nunca mais vou pra outro lugar morar, como já morei em tanto lugar, vou ficar aqui mesmo, e tentando ainda fazer cinema aqui. Logicamente isso passa pelas políticas também, que é uma coisa que me fascina muito, me encanta essa coisa de fazer as políticas, de mexer e se organizar, organizar as pessoas, reivindicar e promover. Estamos agora tentando organizar essa área do longa-metragem. Já tem uma quantidade boa de pessoas que fazem longas aqui. Não os curtas, né, porque os curtas saem pelo edital da Cinemateca, e os curtas deixem os novos que estão entrando fazerem os curtinhas deles. É uma fase boa, uma fase de desenvolvimento, de treino. E agora que já estamos um pouquinho mais velhos, a gente vai fazer os nossos longas, e para isso a gente tem que se organizar. Tem que se criar uma espécie de uma associação, pra gente se organizar e conseguir melhores dias de políticas públicas pro audiovisual de longa-metragem. Então essa é a minha vida, e hoje estou dando um pouco da minha experiência, para a gente se organizar e seguir em frente para continuar fazendo longas e não morrer isso aqui. Apesar de toda a adversidade, de tudo o que vem contra, é muito difícil enfrentar essa maré, principalmente se estivermos desunidos, separados.

Muitas coproduções já foram feitas a partir do FAM, com a Argentina, com o Uruguai. Os resultados já estão provados. Nessa edição do FAM, mesmo, tem duas coproduções, uma do Brasil com a Argentina e outra do Brasil com o Uruguai. Quer dizer que os frutos são muito bons. O FAM está permitindo esse encontro e conhecimento dos outros, inclusive companheiros de outros países, interligando, se ajudando, e o caminho é esse mesmo. Se não for assim, a gente vai só ficar esperando que o governo faça? A gente está hoje vendo uma coisa chamada Globalização, que é uma coisa perversa, está ai a economia para provar; dá um rombo lá não sei onde e a gente sofre as consequências aqui. Então, como é que a gente sobrevive diante disso tudo? Não só na questão cultural, do audiovisual em particular, mas de uma maneira geral, na vida do País, como é que a gente sobrevive sem ser assim? Com a direita que a gente sabe que é horrível, que só quer dar pra trás, que só critica, que só bombardeia. Uma mídia que está ao lado de uma minoria, da elite, do capital. No caso do cinema, nós, os chamados independentes, somos a maioria. Não é o cara que faz um filme em cinco anos. Fazer um filme grande demora anos, e ele pega aquela verba monstruosa e só faz um filme. Ele tirou verba que poderia ser dividida em vários, que poderia estar desenvolvendo e fazendo mais. Porque a partir da quantidade é que se chega a uma qualidade".

Uma conversa e muitas histórias naquela noite de FAM. Aliás, o grande barato do FAM é esse, encontrar e conhecer gente, trocar ideias, bater papo... Por que todo preto que está por ai sempre pode vir acompanhado de um tom de verde, basta a gente querer colorir.


Os acadêmicos da 5ª fase do curso de Jornalismo da Unisul - disciplina Produção em Impressos - sob a supervisão da professora Raquel Wandelli, estão fazendo a cobertura do FAM como atividade curricular do semestre.

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