Camila Jardim
Acordos bilaterais com certos países e co-produções incentivam e ajudam a divulgar cinema brasileiro
No sétimo dia do Florianópolis Audiovisual Mercosul, a temática do Fórum da sala Aroeira, no centro de cultura e eventos da UFSC foi co-produções regionais e internacionais/internacionalização dos mercados. O argentino Alejandro Arroz, produtor e diretor da Pacs Producciones, Petrus Barreto, consultor jurídico, que foi o mediador do debate, e a renomada cineasta Assunção Hernandes, diretora da Raíz Produções, estiveram à frente da bancada do Fórum. Estudantes, cineastas brasileiros e estrangeiros, além de curiosos, formaram o público que compareceu de maneira participativa.
O Brasil possui, há alguns anos, diversos acordos internacionais para co-produções cinematográfica. Dentre eles, os mais antigos, destacam-se: Argentina, Espanha, Alemanha, Portugal, Canadá e alguns outros países latino-americanos. Curiosamente com o Uruguai, país vizinho, não há registros de acordos de nenhum tipo.
Participamos, como país membro, do Ibermedia, junto com outros 17 países integrantes. O Ibermedia, Fundo Ibero-americano, criado em novembro de 1997, tem por base as decisões adotadas pela Cimeira Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo, celebrada em Margarita, Venezuela, relativas à execução de um programa de estímulo à co-produção de filmes para cinema e televisão. Infelizmente, apesar de funcionar há bastante tempo, esse acordo ainda não foi aprovado no congresso nacional, o que proporciona insegurança para os produtores brasileiros.
A burocracia brasileira, no momento de fechar um acordo para uma co-produção internacional, é exigente e complicada, podendo levar meses para a oficialização de todos os papéis necessários. A cineasta Assunção Hernandes acredita que os acordos entre países deveria ser feito através das intituições representantes, onde as produtoras estão legalmente registradas.
- Por exemplo, no Brasil, as produtoras brasileiras são registradas na Ancine e têm todos os seus documentos guardados lá. Só assim elas têm o direito de usar as tarjas oficiais, etc. E no caso dos outros países, seus próprios institutos que os representariam de alguma forma. O que eu acho é que deveria ficar a cargo de cada instituto assumir as responsabilidades da idoneidade ou não das empresas e suas existências, e não ficar exigindo que o parceiro de fora prove com documentos originais, firma reconhecida, cópia autenticada, consularizada, notarizada, trazendo custo, tanto para a produtora de fora, quanto para nós. Seria mais prático e economizaríamos tempo e dinheiro, afirma Assunção. O Brasil ainda é muito cartorial em todas as áreas, mas nessa área fica mais evidente e mais problemático esse problema, uma vez que os nossos parceiros lá de fora não exigem isso. Deveria haver uma reciprocidade, completa a cineasta.
A Galícia, estado da Espanha, possui acordo direto com o Brasil. Realiza um edital no qual são selecionados dois projetos de filmes majoritários brasileiros, e dois projetos de filmes majoritários galegos, e que receberão um benefício e investimento dos dois países. Esse acordo com a Galícia já funciona há uns três anos. “O interessante dos acordos diretos é a busca por histórias semelhantes e um projeto que contemple de alguma forma uma convivência e uma integração. No caso da Galícia, o Brasil tem mais originários galegos que o próprio estado espanhol. Galícia deve ter cinco milhões de pessoas, e o Brasil possui em torno de 12 milhões de descendentes. Costumamos brincar dizendo que aqui é o estado galego de maior população”, afirma a produtora.
Ainda sobre os acordos que relacionam o Brasil com outros países, a cineasta e fundadora da Raíz produções, desde 1974, Assunção Hernandes, respondeu algumas perguntas. Assunção faz parte do Conselho Consultivo do Congresso Brasileiro de Cinema, é vice-presidente da FIPCA (Federação Ibero-americano de Produtores de Cinema e Audiovisual) e diretora para assuntos internacionais da ABEPC (Associação Brasileira de Empresas Produtoras de Cinema).
Para estabelecer uma co-produção com algum país que não possui acordo com o Brasil, qual procedimento é preciso ser tomado?
Nós temos dois tipos de co-produção. Um é um acordo entre países, governos. E outro é a co-produção entre países que não têm acordos entre si. Você pode fazer um contrato de produção com um país que não tem um acordo com o Brasil, mas para que o seu filme seja brasileiro precisa ter a participação de no mínimo 40% do orçamento do filme. Nesse caso a sua relação vai ser com o sindicato; significa que você tem que comprovar que nesta co-produção em que no caso não há acordo entre os países, há um mínimo determinado de técnicos e/ou atores brasileiros. A relação será sindical, cumprindo as exigências, as tarifas que você recolhe, percentuais ao pagamento de equipes e elencos externos no Brasil. Remete-se à agência de cinema e ao Ministério de Relações Exteriores somente para registrar e autorizar o trabalho de equipes estrangeiras no Brasil. Cumprindo o que está no acordo, a sua co-produção internacional com aquele país será oficializada.
Como fica a distribuição desses filmes co-produzidos?
Existe um edital chamado delivey, relativamente recente, que partiu da dificuldade da difusão dos filmes ibero-americanos no mundo, inclusive nos países onde o filme pronto pode receber 50% do orçamento que for apresentado para que seja distribuído no país do proponente e em outros países. Hoje se produzem muitos audiovisuais, mas a maior dificuldade é como fazer esses filmes circularem. Uma decisão importante tomada entre esses países é a de selecionar um número determinado de títulos, de filmes e dar um pequeno aporte para os produtores dos títulos que serão passados na televisão dos 18 países ibero-americanos.
Como você analisa o cenário cinematográfico brasileiro? Houve evolução significativa nas produções. Como o Brasil, na sua opinião, recebe esses filmes nacionais?
O maior problema que precisamos resolver agora é levar até os 90% da população brasileira, filmes independentes brasileiros que não tenham tido oportunidade de serem assistidos, porque não há salas em função de não haver acordos com grandes distribuidoras americanas. As salas que existem hoje no Brasil são extremamente caras para essa camada da população. Não achamos que temos a obrigação de levar os filmes para o povo, mas que todos têm o direito de ver o cinema brasileiro independente. A missão agora é fazer, ao lado de distribuidoras e autoridades, que esse caminho seja trilhado. A política pública de cinema tem que se preocupar com isso. E nós vamos ajudar a buscar essas respostas.
Cerca de 90% dos títulos dos filmes exibidos nas salas de cinema brasileiros não são falados em português; a sua maioria é em inglês, italiano, espanhol e francês. Há dificuldade da maior parte da população brasileira em assistir filmes legendados. A iniciativa e incentivo aos filmes brasileiros ainda é irrelevante no país.
Curiosidade
O senador Gerson Camata, por exemplo, começava as reuniões públicas, nas eleições passada, projetando um filme brasileiro. Essa medida sempre atraía uma multidão que logo depois ficava para presenciar seu discurso. Um certo dia, o senador, achando que seria do gosto do povo, levou uma grande produção americana para a reunião, em alguma praça do Brasil, e acabou provocando uma incomodação na platéia. Uma das pessoas que estava assistindo gritou de longe se podiam passar a legenda mais devagar. Mais uma vez isso prova que grande parte dos brasileiros não se beneficia dos filmes estrangeiros com legenda que estão no cinema. Somente 9% da população brasileira, classe A e B vão as 2.300 salas de cinema multiplex, dominantes no país. O malefício dessa desigualdade cultural acaba prejudicando todos os brasileiros por falta de salas e das emissoras televisivas, que preferem fazer grandes acordos com filmes norte-americanos.
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