domingo, 27 de junho de 2010

Segundo plano e sem foco

Poucas salas alternativas, mercado “americanizado” e recursos limitados dificultam o desenvolvimento de projetos independentes no cinema catarinense


Felipe Reis


O número é impressionante: apenas 8% das cidades brasileiras têm alguma sala de cinema. E instaladas dentro de shoppings centers. A constatação é dos próprios produtores culturais, principalmente ligados ao circuito alternativo, independente ou não-comercial. A escassez permite, cada vez mais, relegar a sétima arte ao segundo plano no cenário cultural do Brasil.

Em Santa Catarina o problema também existe. No interior do Estado, faltam espaços onde as produções possam ser exibidas. No litoral e na Capital, mais especificamente, empresas especializadas na montagem e operação de salas mantêm redes de dimensões continentais e focam, cada vez mais, na produção comercial. Filmes como Avatar, Se eu fosse você e Tropa de Elite estão entre os preferidos dos empresários e investidores. Os primeiros se interessam pela bilheteria que grandes cartazes podem arrecadar. Os segundos, na associação marqueteira dos seus nomes a verdadeiras febres midiáticas.

“Os maiores nomes do cinema nacional em 2008 e 2009 só obtiveram liderança em distribuição, exibição e bilheteria por terem apelo social, mas ainda assim ligado ao viés mercadológico. São tramas verossímeis para a população e por isso os produtores não têm dificuldade em obter patrocínio”, revela o produtor e professor de cinema da Universidade de São Carlos, João Massarolo. Essa consciência faz com que os produtores independentes saibam que fazem parte de um “gueto” onde as idéias tradicionais costumeiramente são deixadas de lado, mas os investimentos também demoram mais para chegar.

Parte dessa espécie de exclusão decorre justamente da pouca capilaridade das salas. Como no país não há uma legislação que obrigue as emissoras a cederem parte do tempo da programação diária ou semanal para a exibição dos trabalhos cinematográficos, o conteúdo fica restrito a espaços alternativos. “O cinema tem como ‘fazer acontecer’ os filmes não-comerciais através de ações inovadoras, que têm amplo apoio e repercussão em novos formatos”, diz Bhig Villas-Boas, representante da Santa Cine e membro do conselho consultivo do Congresso Brasileiro de Cinema. “Recentemente uma marca de refrigerantes lançou um filme independente dentro de uma campanha publicitária, através de pequenas pílulas. Destacou o produto, destacou a marca dos apoiadores”.

Enquanto as novas mídias não são totalmente exploradas para a disseminação dos conteúdos independentes do cinema, as produções contam com pequenos e raros apoios de emissoras de TV. Em Santa Catarina, uma das janelas – o SC em Cena – ocupa um espaço de 15 minutos aos sábados, apenas uma vez por semana. Fora isso, quase nada. Outra iniciativa fora da mídia tradicional foi o Cine York, que por dez anos funcionou na cidade de São José, na Grande Florianópolis. A sala trazia os lançamentos de produtores de várias partes do mundo e que não estavam no circuito comercial, oferecia produções muito mais artísticas do que as de costume e fomentava debates acerca do desenvolvimento desse segmento. Mas o espaço foi fechado em 2008 e restou apenas o Cine Clube Desterro, no Centro Integrado de Cultura.

Mas fatos como esse não são vistos como um sinal de alerta pelos responsáveis pela cultura no Governo do Estado. Diretor geral da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina, Gilberto Savedra vê que as produções não devem depender só de festivais, mas contam com “diversos recursos” para serem filmadas, montadas e distribuídas. “Só para este ano o governo vai liberar R$ 1,9 milhão pelo Edital Catarinense de Cinema (antiga Cinemateca)”. Ele acredita ser “muito dinheiro”, mas, como os produtores, estende o pires e passa a responsabilidade ao Governo Federal. De fato o apoio de instâncias superiores pode contribuir para desenvolver o segmento, mas ações locais poderiam incrementaá-lo ainda mais.

“Nós já estamos acostumados” – diz o produtor Chico Faganello. “As produções internacionais ou nacionais com grande orçamento chamam a atenção dos eventuais patrocinadores, que preferem colocar o dinheiro num filme que vai ser exibido em todo o Brasil do que em outro, cuja chance de isso acontecer é menor”. Chico sabe também da trama que há por trás de todo o mercado cinematográfico, dentro e fora do país: “A maior parte dos grandes sucessos só é filmada depois de já ter um contrato de distribuição e exibição assinado”.

Tais constatações deveriam desestimular quem pretende viver – ou apenas produzir – o cinema em Santa Catarina, mas felizmente isso não acontece. Enquanto isso, os envolvidos aproveitam os espaços onde esse tipo de debate é viável. Um deles, o 14º Florianópolis Audiovisual do MERCOSUL, permite a troca de visões e perspectivas. A boa notícia é que a credibilidade e importância do evento já começam a introduzir a Capital e o Estado na rota internacional de recursos, desviando o foco do já tradicional, comercial e enriquecido eixo Rio-São Paulo.

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